Cumplicidade de ateliê

Juliana Cordaro
2 min readMay 20, 2022

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Eu queria te dizer das tantas cenas sutis que carregam revoluções nos nossos ateliês, e por isso escrevo. Não foi à toa que eu dei o nome das minhas práticas de Ateliê como Lugar de Encontro. Porque é no treino de estarmos ali, de entendermos o que queremos e podemos nesse encontro, que se dá o desejo de voltar na semana seguinte, e na outra e, assim sucessivamente, compomos uma jornada.
Antes dessa cena, que registramos juntos nessa foto, você tentava me quebrar, mas vendo que não seria possível (eu estava muito inteira ali), mudou de assunto e de ambiente.
Já na outra sala, esbarrou sem querer na minha coleção de conchas que fica em cima de uma mesa, quebrando uma delas.
O silêncio se instaurou, evidenciando aquela cena.
Contorcendo-se, você foi para o chão e, juntando os cacos, abaixado e encolhidinho, tentou fingir que nada acontecia.
Logo percebeu que não teria como seguir fingindo. Me disse que odiava conchas porque elas sempre acabam quebrando. Eu te ouvi.
Então, em silêncio, catando caco por caco, você se levantou e me presenteou com uma composição: montou sobre a mesa um círculo de conchas que, ao centro, evidenciava a concha quebrada.
Paramos por algum tempo e te admiramos ali, quebrado junto com a concha, na inteireza de sua coragem criativa diante da nossa relação e da vida. Nós dois ali, parados diante da sua criação, gostamos muito do que vimos.
Dessa vez você não tentou quebrar nada, nem ninguém e pôde me contar.
A vida prega peças na gente.
Nesse encontro pudemos ser nós mesmos: íntegros, presentes e diferentes. Eu, dando conta de ter algo meu quebrado por você. E você, que, ao quebrar algo meu, não quis me quebrar, mesmo achando que poderia parecer que queria. Seguimos numa cumplicidade de ateliê ultrapassando os limites daquilo que muitos entendem por aula de artes.

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Juliana Cordaro

Artista entre campos. Propõe encontros de arte para fazer caber mais das pessoas no mundo e mais do mundo nas pessoas. http://linktr.ee/juliana.cordaro